Verde. 17º DOMINGO Tempo Comum
1ª leitura: (1Rs 3,5.7-12) Salomão não pede riqueza, mas sabedoria – No começo de seu reinado, Salomão pede a Deus a sabedoria, isto é, o dom de julgar e de decidir acertadamente (logo depois segue uma história para exemplificar esse dom). O próprio fato de não pedir outra coisa já mostra sua sabedoria. Assim mesmo, além da sabedoria, Deus lhe deu, como que “de brinde”, algumas coisas menos importantes (riqueza, fama, longa vida) (1Rs 3,13-14). * Cf. 2Cr 1,3-12; Sb 9,1-18 * 3,9 cf. Sl 72[71],1-2; Pr 2,6-9; Sb 7,7; Tg 1,5.
2ª leitura: (Rm 8,28-30) O planejamento de Deus e sua execução – Esta breve leitura é construída em redor da corrente: conhecer-destinar-chamar-justificar-glorificar: as fases do acabamento, por Deus, do ser humano: uma obra de arquiteto. O protótipo é Jesus Cristo mesmo: o primogênito dos mortos. O Espírito já nos tornou filhos (8,16). Agora é só levar a termo a obra de arte já iniciada (8,30). E o distintivo do cristão é que ele tem consciência de ser essa obra (“sabemos”, 8,28). * Cf. Ef 1,3-14; Tg 1,12; Jr 1,5; 1Cor 15,49; 2Cor 3,18; Fl 3,21; Cl 1,18; 1Jo 3,2.
Evangelho: (Mt 13,44-52 ou 13,44-46) O tesouro do Reino de Deus – Este evangelho contém: 1) as últimas parábolas e a conclusão do Sermão das Parábolas de Mt 13: as parábolas do tesouro e da pérola, que ensinam o pleno investimento no Reino; a parábola da rede, que ilustra a situação “mista” da Igreja até o fim dos tempos (mistura de fiéis convencidos e mornos); 2) a pergunta “compreendeis?”, dirigida aos discípulos que somos nós. Esse compreender consiste em receber em si todas as palavras, tiradas do tesouro que contém coisas novas (o novo ensinamento de Cristo) e velhas (a releitura cristã das antigas escrituras e tradições judaicas na igreja judeu-cristã de Mt). O mestre cristão é o “escriba instruído no Reino dos Céus” (13,52). * 13,44-46 cf. Pr 2,1-5; Mt 19,21; Pr 4,7 * 13,50 cf. Mt 8,12; 13,42.
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A liturgia de hoje tem um duplo acento, sapiencial e escatológico. As orações sintonizam com a parábola escatológica da rede, segunda parte do evangelho (não abreviado). Mas o tema principal é o do “investimento” da pessoa naquilo que é seu valor supremo. Este tema (sapiencial) retém nossa atenção. O rei Salomão não pediu a Deus riqueza, e sim sabedoria, isto é, o dom de distinguir entre o bem e o mal (1Rs 3,5ss; 1ª leitura). Neste sentido, ele prefigura o negociante da parábola da pérola, homem de bem, mas perspicaz, que arrisca tudo o que tem num investimento melhor (Mt 13,45s; evangelho). Esta parábola vem acompanhada de outra, que parece elogiar a especulação imobiliária: um homem vende tudo para comprar um campo no qual está escondido um tesouro. A lição de todos esses textos é:investir tudo naquilo que é o mais importante –sabedoria humana, mas que se aplica também à realidade divina, ao Reino de Deus. Ora, em que consiste, concretamente, o tesouro desta parábola? Para discernir isso precisamos da sabedoria que Salomão pediu e que lhe propiciou pronunciar juízos sábios (1Rs 3,16-28). Ora, sabemos também que Deus tem predileção pelos que mais precisam, os pobres e desprotegidos; não serão estes um bom investimento?
Estas parábolas sugerem duas atitudes básicas. Negativamente, desprender-se de posses que não vale a pena segurar (como Salomão, no fundo, relegou a riqueza material para segundo plano, pelo menos na sua oração). E, positivamente,investir naquilo que é realmente o mais importante, aquilo em que Deus mesmo investe; justiça e bondade, iluminadas pela sabedoria. A atitude negativa (desprendimento) e a positiva (investimento) são “dialéticas”: uma não funciona sem a outra. Não somos capazes de nos desprender do secundário, se não temos claro o principal. Por falta do principal, o investimento do amor, o esforço de desprendimento pode virar masoquismo. Por outro lado, nunca conseguiremos investir o nosso coração para adquirir a pérola do Reino de Deus, se não soubermos nos desprender das joias falsas que enfeitam nossa vida. Por isso, tanto idealismo fica num piedoso suspiro...
A coleção de parábolas de Mt 13 termina na parábola escatológica da rede, muito semelhante à do joio no trigo.
Olhando para a 2ª leitura, encontramos um dos textos maiores da Carta aos Romanos. Deus como um bom empreiteiro, faz todo o necessário para o bem daqueles que o amam, levando a termo a execução de seu desenho (“desígnio”) (Rm 8,28). De antemão conheceu os que queria edificar, como um arquiteto tem um edifício na mente; ele os projetou (“predestinou”; o termo grego proorizein significa “planejar, projetar”), conforme o protótipo que é Jesus mesmo, seu filho querido, ao qual ele gostaria que todos se assemelhassem. E aos que assim planejou, também os escolheu (“chamou”); os “justificou” (qual empreiteiro que verifica sua obra durante a execução, decidindo se serve ou não) e, arrematando a obra, os “glorificou” (como em certas regiões os construtores celebram o arremate coroando de flores a cumeeira da casa nova). Este texto nos faz entender o que os teólogos chamaram a “predestinação”: não significa que Deus criou uns para serem salvos e os outros (a “massa condenada”) para serem perdidos. Significa que, como bom empreiteiro, Deus faz tudo o que for preciso para arrematar a salvação naqueles que se dispõem para ela; e como conhece o coração de todos, ele também conhece os que se prestam à salvação e os que não se deixam atingir. Quem optar por acentuar a linha escatológica na liturgia de hoje (cf. Mt 13,47-52), encontrará nesta 2ª leitura um tema digno de reflexão.
Os dois acentos de hoje, o sapiencial e o escatológico, se completam. Pois é com vistas à salvação definitiva que se deve fazer o investimento certo hoje.
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