Sirva-nos de reflexão sobre o martírio de Estêvão as belas considerações de São Fulgêncio de Ruspe (séc V):“Ontem, celebrávamos o nascimento temporal de nosso Rei eterno; hoje celebramos o martírio triunfal de seu soldado.
Ontem o nosso Rei, revestido de nossa carne e saindo da morada de um seio virginal, dignou-se visitar o mundo; hoje o soldado deixando a tenda de seu corpo, parte vitorioso para o céu.
O nosso Rei, o Altíssimo, veio por nós na humildade, mas não pôde vir de mãos vazias. Trouxe para seus soldados um grande dom, que não apenas os enriqueceu, mas deu-lhes uma força invencível no combate: trouxe o dom da caridade que leva os homens à comunhão com Deus.
Ao repartir tão liberalmente o que trouxera, nem por isso ficou mais pobre: enriquecendo de modo admirável a pobreza de seus fiéis, ele conservou a plenitude de seus tesouros inesgotáveis.
Assim, a caridade que fez Cristo descer do céu à terra, elevou Estêvão da terra ao céu. A caridade de que o Rei dera exemplo logo refulgiu no soldado.
Estêvão, para alcançar a coroa que seu nome significa, tinha por arma a caridade e com ela vencia em toda a parte. Por amor de Deus não recuou perante a hostilidade dos judeus, por amor ao próximo intercedeu por aqueles que o apedrejavam. Por esta caridade, repreendia os que estavam no erro para que se emendassem, por caridade orava pelos o apedrejavam para que não fossem punidos.
Fortificado pela caridade, venceu Saulo enfurecido e cruel, e mereceu ter como companheiro no céu aquele que tivera como perseguidor na terra. Sua santa e incansável caridade queria conquistar pela oração a quem não conseguira converter pelas admoestações.
E agora Paulo se alegra com Estêvão, com Estêvão frui da glória de Cristo, com Estêvão exulta, com Estêvão reina. Aonde Estêvão chegou primeiro, martirizado pelas pedras de Paulo, chegou depois Paulo, ajudado pelas orações de Estêvão.
É esta a verdadeira vida, meus irmãos, em que Paulo não se envergonha mais da morte de Estêvão, mas Estêvão se alegra pela companhia de Paulo porque em ambos triunfa a caridade. Em Estêvão, a caridade venceu a crueldade dos perseguidores, em Paulo cobriu uma multidão de pecados; em ambos, a caridade mereceu a posse do reino dos céus”.
A caridade é a fonte e origem de todos os bens, é a mais poderosa defesa, o caminho que conduz ao céu. Quem caminha na caridade não pode errar nem temer. Ela dirige, protege, leva a bom termo.
Portanto, meus irmãos, já que Cristo nos deu a escada pela qual todo cristão pode subir ao céu, conservai fielmente a caridade verdadeira, exercitai-a uns para com os outros e, subindo por ela, progredi sempre mais no caminho da perfeição”.
Lecionário Monástico I, p. 586
Frei Almir Ribeiro Guimarães
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