O milagre da multiplicação dos pães fez uma grande impressão nos primeiros cristãos porque está nos quatro Evangelhos, e o Evangelho de São Mateus e São Marcos chegam a falar duas vezes desse episódio.
Por que essa impressão? Não tanto pelo milagre em si mesmo, mas pela mensagem eucarística por trás desse portento. Assim como fez na noite da Última Ceia, Jesus, antes de multiplicar os pães, "tomou os pães, deu graças e distribuiu-os aos que estavam sentados" (v. 11).
O Evangelho começa dizendo que "Jesus foi para o outro lado do mar da Galileia" (v. 1). Os Santos Padres veem nessa passagem – evidenciada pela informação de que "estava próxima a Páscoa" (v. 3), que quer dizer "passagem" (cf. Ex 12, 11) – um sinal do desapego do mundo que todo cristão deve fazer [1]. Antigamente, os pregadores cristãos deixavam bem clara a maldade da mentalidade mundana e a necessidade de converter-se, de não se conformar com as coisas deste século (cf. Rm12, 2). Infelizmente, hoje em dia, alguns charlatães, dentro da própria Igreja, têm flertado com o mundo, chegando a dizer que seria a Igreja quem precisaria aprender com a modernidade: aceitando, por exemplo, a Comunhão para recasados, os "casais" homossexuais, a masturbação, a pornografia etc. Ora, não é estranho que justamente essa geração – que não crê mais no amor, que está visivelmente apegada ao dinheiro (seja por parte dos capitalistas, seja por parte dos socialistas), que mata os próprios filhos no ventre de suas mães – queira julgar os santos do passado? Não é muita inconveniência e arrogância dos homens de nosso século, que queiram medir os santos com sua régua torta e viciada?
Estando já na montanha – prossegue o Evangelista –, Jesus age "levantando os olhos e vendo que uma grande multidão estava vindo ao seu encontro" (v. 5). Santo Tomás de Aquino, ao comentar este trecho, faz notar a circunspecção de Nosso Senhor, que não desviava o Seu olhar para um lugar ou outro, mas permanecia atento aos Seus discípulos, a quem ensinava [2].
Jesus pergunta, então, a Filipe: "Onde vamos comprar pão para que eles possam comer?" (v. 5). O Evangelista deixa claro que Nosso Senhor questiona o Seu discípulo "para pô-lo à prova (πειράζων)" (v. 6). A palavra grega em questão pode ser traduzida tanto como "tentação" quanto como "provação". Como, porém, "Deus não pode ser tentado pelo mal e tampouco tenta a alguém" (Tg 1, 13), o que Cristo faz aqui é pôr à prova a fé dos Seus discípulos, a fim de aumentar-lhes o amor.
À pergunta de Cristo, responde rudemente Filipe: "Nem duzentas moedas de prata bastariam para dar um pedaço de pão a cada um" (v. 7). As suas palavras estão baseadas em um raciocínio puramente humano, pois ele não vê outra saída para a situação senão com a compra de mais pães.
André, por outro lado, demonstra ter uma fé mais madura, como faz notar o Doutor Angélico:
"André parece ter diante de si o milagre que está prestes a ser realizado. Talvez ele tivesse na memória o sinal que Eliseu havia feito com os pães de cevada, quando saciou cem homens com vinte pães (cf. 2 Rs 4, 42ss), e por isso disse: 'Está aqui um menino com cinco pães de cevada'. Ainda assim, porém, ele não podia supor que Cristo fizesse um milagre maior que o de Eliseu. Na verdade, ele estimava que menos pães seriam milagrosamente produzidos de menos, e mais de um número maior. Por isso, acrescentou: 'Mas o que é isto para tanta gente?', como se dissesse: ainda que esses pães fossem multiplicados como Eliseu multiplicou, não seria o suficiente. No entanto, Ele, a quem não é necessária nenhuma matéria prima, podia saciar facilmente as multidões seja com muitos seja com poucos pães." [3]
Diz, em seguida, Nosso Senhor: "Fazei sentar as pessoas (discumbere)" (v. 10). Na verdade, à época de Cristo, as pessoas comiam estando deitadas. "Os antigos tomavam suas refeições deitados em leitos, de onde se difundiu o costume de usar a palavra discumbere a quem se sentava para comer. Misticamente, isso significa aquela quietude necessária à perfeição da sabedoria, como diz o Autor Sagrado: 'Quem diminui suas correrias, esse é que se encherá de Sabedoria' (Eclo 38, 25)" [4]. O próprio São João Evangelista ficou lembrado como aquele que reclinou a cabeça sobre o peito de Jesus (cf. Jo 13, 25), indicando a atitude com que todo cristão deve proceder na ação de graças depois da Eucaristia.
Aqui, cabe um exame de consciência sobre a forma como nos temos aproximado da Sagrada Comunhão. Se é verdade que por meio desse divino sacramento, Nosso Senhor nos toca com a Sua humanidade, a sua recepção só terá fruto se O recebermos com fé e com as devidas disposições interiores. Caso contrário, seremos como aquela multidão curiosa e distraída que acotovelava Jesus no caminho da casa de Jairo, sem todavia receber a Sua graça (cf. Mc 5, 21-24). De fato, de todas as pessoas que tocaram no Divino Mestre, somente a hemorroíssa foi beneficiada desse contato, porque foi a única pessoa que se aproximou d'Ele com fé (cf. Jo 5, 25-34). Do mesmo modo, quem se senta na relva (v. 10), nos "prados e campinas verdejantes" (Sl 22, 2), e reclina a cabeça no peito de Nosso Senhor depois da Comunhão, vai notar o toque suave e sutil da graça divina em toda a sua vida.
São João prossegue dizendo que o próprio "Jesus tomou os pães, deu graças e distribuiu-os aos que estavam sentados" (v. 11), diferentemente dos Evangelhos sinóticos, nos quais são os Apóstolos quem distribuem os pães à multidão (cf., Mt 14, 19; Mc 6, 41; Lc 9, 16). Comentando essa discordância entre os evangelistas, Santo Tomás escreve que "aqui é dito que Ele distribuiu, porque se considera que é Ele mesmo quem realiza aquilo que faz por meio de outros. Mas, no sentido místico, ambas as frases são verdadeiras: porque só Ele refaz desde dentro, enquanto os outros o fazem desde fora e como ministros" [5]. Portanto, é o próprio Cristo quem distribui a Comunhão pelas mãos de Seus sacerdotes.
Por fim, depois de todos satisfeitos, os discípulos "recolheram os pedaços e encheram doze cestos (cophinos) com as sobras dos cinco pães" (v. 13). O Aquinate faz notar que o cesto em questão, chamado cophinus, "é um vaso rústico feito para o ofício dos camponeses", e conclui: "Assim, os doze cestos significam os doze Apóstolos e os seus imitadores, que, ainda que sejam desprezados nesta vida, são todavia repletos interiormente das riquezas dos sacramentos espirituais. Dizem-se que são doze porque foram enviados para pregar a fé da Santíssima Trindade às quatro partes do mundo" [6].
O Evangelista conclui narrando que, "quando notou que estavam querendo levá-lo para proclamá-lo rei, Jesus retirou-se de novo, sozinho, para o monte" (v. 15). De fato, as pessoas ainda não tinham entendido que o Seu reino não é deste mundo (cf. Jo 18, 36: "Regnum meum non est de mundo hoc"). Cabe fazer, ao fim desta reflexão, um último exame de consciência, pois, talvez, muitos de nós ainda não tenhamos entendido quem seja verdadeiramente Jesus Cristo. Infelizmente, muitos continuamos na mesma miséria dos homens do tempo de Cristo, querendo que Ele resolva os nossos problemas terrenos e imanentes e esquecendo-nos do maior dom que Ele nos veio trazer: o Reino dos céus. Lá, um dia, Ele vai alimentar-nos para sempre com o pão definitivo da visão beatífica. Essa é a nossa esperança.
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