A temática da dor e do sofrimento é uma das mais recorrentes na história do pensamento, da arte e dos questionamentos humanos. Assim como o amor, também a dor encontra profundas e criativas expressões no frasário sapiencial popular, nos provérbios, nas canções, nos romances, nas páginas de filosofia... A causa, a fonte, o sentido, até o poder libertador do sofrimento apresentam-se vigorosos nos parágrafos escritos com sabedoria e profundidade. Mas, por outro lado, não passam desapercebidas as revoltas, as angústias e inquietações, os cansaços. Até chegamos a reconhecer que a dor é um dos mistérios da vida. Porém, os interrogativos permanecem.
O sofrimento nos coloca ante a crueza da finitude. Mas também nos recorda a infinitude, quase como uma saudade do que nunca tivemos. É assim que se pode entender o evangelista Marcos no Evangelho deste domingo (Mc 6, 30-34). Jesus se retirara com os discípulos para um lugar deserto. Buscavam descanso. Precisavam disso. Foram de barco. Mas, ao desembarcar, “Jesus viu uma grande multidão e encheu-se de compaixão por eles, porque eram como ovelhas que não têm pastor. E começou a ensinar-lhes muitas coisas”.
O que significa sentir compaixão? Havia sofrimento, desorientação, indiferença (sem pastor). Não parece que se limitou a sentimentos pesarosos, como se apenas tivesse pena daquela gente muito carente e sem rumo. O mero sentimento, ainda que nobre, é sempre fugaz. Parece-se com algo que passa sem nada inspirar. Não move e nem comove. Seria uma comiseração refinada, mas sem efeitos, sem aproximação, sem solidariedade, sem vigor interpelativo.
A experiência bíblica de compaixão é mais que uma elevada afeição humana. No Antigo Testamento, era uma das mais pronunciadas características de Deus. Suas compaixões desdobravam-se em respostas de aproximação reconciliadora ou libertadora. No caso de Jesus, suas atitudes compadecidas davam a conhecer as inclinações de Deus em favor daquela gente. Se as multidões eram como “ovelhas sem pastor”, a imagem está a referir indiferença e frieza ante sua situação. Os gestos do Senhor compassivo recordavam-lhes que, embora em quadros difíceis, ainda assim eram preciosos aos olhos do Pai.
Até vale um olhar para a origem etimológica. E aqui é muito pouco o apelo ao vocábulo latinocom/passio (“padecer com”). É preciso um novo passo. Para “compaixão” é preciso ir até o grego antigo. Lá a compaixão está ligada às disposições maternas de conservar a vida. Naquela língua os termos “compaixão” e “útero” são equivalentes. Assim como o ventre materno acolhe a vida, envolve-a, protege-a e a faz nascer, algo semelhante fez o Senhor ao aproximar-se daquelas “ovelhas sem pastor”: suscitou-lhes a esperança com expressões de amor fraterno. Foi uma aproximação generativa, isto é, gerou algo.
Quem olha para as manchetes, as escolhas e comportamentos atuais talvez se deixe convencer de que a compaixão está a perder credenciais no elenco das qualidades humanas. Afinal, produtividade, eficiência, competitividade afiguram-se “pobres” de atitudes compassivas. Entretanto, tendo chegado a Curitiba há poucos meses, sem negar as durezas da grande metrópole, devo dizer, gratificado, que encontro muitos testemunhos de compaixão solidária. E percebi que a graça faz um bem imenso não apenas aos beneficiários. Parece que faz um bem maior aos compassivos.
Dom José Antônio Peruzzo
Arcebispo de Curitiba (PR)
cnbb.org.br