Por D. Paulo Evaristo Arns
A festa de São Francisco, em 4 de outubro, transformou-se em símbolo do esforço da Igreja pela Paz. Todos nos lembramos com gratidão da viagem de Paulo VI às Nações Unidas e do pedido humilde, mas corajoso, do Pontífice, de se transformarem os canhões de guerra em arados para a construção da paz duradoura.
Nos tempos de São Francisco, não havia homem que não andasse armado, e homens armados podem transformar-se facilmente em homens de guerra. Como nos dizia certa vez um mexicano: “Em minha Juventude, carregava-se sempre o revólver no cinto e morriam muitos homens pela violência. Hoje, andamos desarmados e já são poucos os que assim morrem”.
Para conseguir um movimento de paz, São Francisco fundou sua Ordem Terceira, que obrigava a todos os membros a andarem sempre com a expressão “Paz e Bem” sobre os lábios e com o cinto e o ânimo desarmados.
Esse movimento provocou tamanha simpatia entre os homens, que se alastrou por sobre o mundo inteiro, conquistando adeptos entre todas as classes e transformando-se em autêntico fermento da idéia “PAZ”.
No entanto a educação para a paz tinha que partir do exemplo daqueles que podem fazer guerra, das autoridades. E havia o que mudar.
O próprio Bispo de sua terra e a autoridade civil se guerreavam. São Francisco não se acovardou, e com sua simplicidade costumeira foi pedir a ambos que fizessem as pazes. Conseguiu-o, mais por persuasão pessoal, do que por argumentos históricos.
Quando, já moribundo, é transportado para sua terra, Assis, abençoa-a do alto de uma colina, desejando-lhe a paz e oferecendo sua serenidade diante do maior inimigo – a morte – como exemplo a todas as gerações. A morte assim se transformou em irmã, que conduz ao desabrochar total na paz eterna.
Mas antes de morrer, já enviara seus arautos da paz, os Frades Menores, dois a dois, a todos os pontos cardiais do mundo, com a mensagem evangélica da Paz: contínua conversão interior; vida em favor dos outros; renúncia aos bens que podem provocar a guerra, e carinho em favor daqueles que não vivem em paz porque estão marginalizados.
“Deixo-vos a paz, dou-vos minha paz”, havia dito Jesus.
Paz significa, segundo os textos evangélicos, um incentivo para todos aqueles a quem Deus ama. Ter paz interior é olhar para os outros com o respeito e o amor de quem olha para Jesus. Ter paz interior não é outra coisa senão identificar-se a tal ponto com os sofrimentos dos outros “que não haja quem sofra, sem que eu sofra com ele”. Por que não dizê-lo, paz interior significa também ter liberdade de falar a Deus como a um amigo e fugir a tudo que possa empanar esta amizade.
Neste ponto, São Francisco é o grande mestre da paz. A tal ponto assimilou a mensagem de Jesus, que na hora da morte, ele próprio confessou: “Não existe um termo no Evangelho que eu não tenha decorado – isto é, que eu não tenha posto no coração – com os pontos e virgulas”.
A mensagem de paz de São Francisco foi assunto para pincéis e penas. Artistas e escritores celebraram a cena do lobo de Gubbio, o ladrão que não deixava paz à sua cidade.
O lobo que fazia vítimas contínuas na comunidade. São Francisco dirigiu-se a ele, e firmou o contrato de que ele não sofreria fome, caso não maltratasse mais os outros.
Os historiadores estão todos de acordo em dizer que São Francisco criou uma alegoria, e nós hoje teríamos a grande tentação de aplicá-la ao nosso meio. Mas preferimos confiar esta tarefa ao leitor: Como faremos para que o lobo deixe de devorar-nos? Qual é a comida que lhe oferecemos, para que não tenha mais fome nem maldade?
Quando visitamos as Pirâmides do México, o arqueólogo nos explicava: “Reparem naquelas pessoas que sobem; quanto se identificam com o monumento, na medida em que vão atingindo o alto; e como no final são uma coisa só com o monumento e o céu”.
Agora imaginem-se os antigos sacerdotes, que subiam com suas oferendas, e assim identificavam a terra e o céu, numa só visão para todos os crentes. As pirâmides se casam com a natureza e o homem mexicano.
Quando o peregrino percorrer Assis, sentirá apenas falta do homem Francisco, totalmente identificado com a natureza. Talvez com um cordeirinho nos braços, cordeirinho que recebeu em troca do manto, amando a água “pura e casta”, amando a lua, o fogo e o sol, amando, sobretudo, o homem, pobre e desprezado, chamando a tudo e a todos de Irmão, de Irmã.
Como à paisagem mexicana se devolve a paz completa, ao unir as pirâmides com o sacerdote e o céu, assim a Humanidade inteira se reconcilia em São Francisco, com aquilo que é e deve ser.
A Paz significa, em última análise, reconhecer a Deus como Pai e a toda a natureza como irmã. A evocação de São Francisco exige de cada um de nós um gesto e uma súplica de paz.
Texto do livro “Olhando o Mundo com São Francisco”, de D. Paulo Evaristo Arns, Edições Loyola, 1982.
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