Frei Gustavo Medella
Mais do que me apontar pistas ou sugerir caminhos, o 8º Mutirão da Comunicação da CNBB, que teve como tema “Comunicação e Participação Cidadã: Meios e Processos”, provocou em mim uma profunda revisão em torno de nossa Missão Evangelizadora enquanto Igreja – e consequentemente enquanto Província Franciscana – no campo da comunicação. Percebi que caminhamos em uma espécie de “terreno minado”, no qual precisamos de toda cautela e discernimento para permanecermos em consonância com o projeto de construção do Reino. E os desafios perpassam diversos âmbitos, desde o estético, passando pelo campo econômico, político e, fundamentalmente, por dilemas éticos.
Como construir uma comunicação competente, eficaz e com qualidade evangélica? Como sobreviver à concorrência imposta pela lógica do mercado? Será que a liderança em audiência deve ser a nossa meta? A busca de sucesso, fama e poder devem pautar a nossa atuação? Somos ou não somos concorrentes da “grande mídia”? Precisamos necessariamente perseguir o padrão estético e o modo de pensar proposto pelos meios comerciais de massa? De que forma, como Igreja, podemos contribuir para a prática de uma comunicação mais cidadã?
• Engajar-se no âmbito político em busca de articular um espaço mais aberto, universalista e democrático na comunicação
Os grandes veículos da comunicação de massa “vendem” a imagem de serem ambientes democráticos, onde o povo brasileiro teria uma “janela” por onde pudesse ver e ser visto, onde as pessoas encontrassem uma espécie de praça em que todos pudessem ouvir e falar livremente. No entanto, a prática, os conteúdos e as mensagens que diariamente adentram nossos lares e formam nosso imaginário dão sinais de um outro tipo de relação, marcado por uma outra lógica que não a do encontro, da partilha e da colaboração.
Um mercado publicitário marcado pela concorrência predatória e a perseguição obsessiva pela liderança na audiência são apenas dois dos diversos elementos que regem a lógica a que servem as nossas grandes emissoras e grupos comunicacionais. É muito dinheiro, muita concorrência, muita concentração de poder na mão de pouquíssimos.
Diante deste quadro, enquanto Igreja, precisamos investir no trabalho político de exigir que as concessões dos canais de comunicação, que são totalmente públicas, estejam a serviço de construir um espaço de diálogo aberto a todas as expressões de nossa cultura e de nossa gente. Não se trata de uma articulação fácil, pois entra de cheio em uma disputa de interesses divergentes. Mas aproximação com grupos e entidades que atuam nesta direção seria algo muito próprio da atuação eclesial no campo da Comunicação.
• Trabalhar por uma prática comunicativa pautada na participação
A comunicação é constitutiva da vida e da existência humana. Ainda que vivamos num ambiente profundamente povoado por sinais e informações provenientes de inúmeras fontes, em nosso íntimo trazemos um desejo profundo de comunicação no que diz respeito ao cultivo de laços, relações e experiências realmente transformadoras, que toquem de cheio o nosso ser, quando ocorre a comunicação de fato, mais rara do que se imagina.
Comunica de fato a mensagem que brota do chão da vida, dos dramas, lutas e conquistas vivenciados pela comunidade de fé que busca ser expressão do Ressuscitado. No âmbito eclesial, há de se investir em meios e processos de comunicação nos quais as pessoas se sintam iluminadas e também convocadas a lançar luzes sobre o coletivo a partir da história que carregam em sua própria carne. Neste contexto, da construção de um processo mais participativo e dialógico, a frase do Professor Elson Faxina (UFPR) foi emblemática, quando se referia ao texto jornalístico baseado neste pressuposto: “Falta carne/vida nos nossos textos. Precisamos buscar nas pessoas o que há de Encarnação / Evangelho e contar sua história. Jesus traduziu na vida a prática do que era ser verbo em carne e os comunicadores fazem o contrário: transformam a carne em verbo.” Esta comunicação encarnada é fruto de um processo no qual a participação seja uma constante.
• Esforçar-se na busca de um padrão estético próprio
Quando, enquanto Igreja, buscamos adequar o nosso padrão estético àquele proposto pelo mercado (do brilho, da velocidade, do sucesso, da euforia), caímos numa caricatura que nos expõe a posturas pouco consistentes, ou até mais, ridículas. É claro que precisamos ter o cuidado de acompanhar as transformações de nosso tempo e executar uma comunicação competente e atraente. No entanto, nossa ousadia e criatividade devem se pautar na força do Evangelho, sem a necessidade de se recorrer a maquiagens que transformaria nossa Comunicação em um produto light, teen, business, até porque não dispomos dos meios econômicos e instrumentais para produzir uma comunicação com o padrão estético da grande mídia.
• Ir ao encontro das histórias do povo e apresentar a narrativa a partir de ângulos alternativos
Em sintonia com a preocupação expressa no item anterior, precisamos buscar um profundo discernimento em torno de quem são os “narradores” de nossas histórias e que histórias queremos contar, segundo o padrão estético do simples, do pacífico, do puro, sem ingenuidade. O modelo do púlpito, onde um só fala (e brilha) e muitos escutam, parece não mais dar conta dos desafios atuais. O exercício de sermos “buscadores” de Deus encarnado na vida e na história deve lançar olhar atento e interessado sobre os dramas humanos que ocorrem no silêncio e na discrição, sem voz e vez nos grandes meios porque de pouco, ou nenhum, apelo mercadológico.
• Apostar na força das pequenas iniciativas
A comunicação popular e participativa deve ser o “fermento na massa” de nossa prática enquanto Igreja. Sem negar a influência do que uma vez se convencionou chamar de mass media, precisamos também romper com a tentação da megalomania para apostar na força do que é discreto, pobre, despojado, alternativo. Na direção deste modo comunicativo, tenho a impressão de que a nova ambiência gerada pela internet e pelas mídias sociais possa ser lugar propício para esta presença efetiva, através de blogs, vídeos, produções de WebTV e WebRadio, difusão de artigos, material formativo, mobilização de pessoas, sem jamais se contrapor à riqueza dos encontros presenciais ou buscar substituí-los.
Neste sentido, adquire grande relevo a consideração contida na Instrução Pastoral Aetatis Novae, de 1992: “As comunicações têm a capacidade de pesar, não só os modos de pensar, mas também os conteúdos do pensamento. Para muitas pessoas, a realidade corresponde ao que os mass media definem como tal; o que os mass media não reconhecem explicitamente torna-se também insignificante. O silêncio pode assim ser imposto, de fato, a indivíduos ou grupos que os mass media ignoram; a voz do Evangelho pode, ela também, ser reduzida ao silêncio, sem ficar por isso completamente abafada. É importante, então, que os cristãos sejam capazes de fornecer uma informação que cria notícias, dando a palavra aos que dela são privados (AN, n. 6).
• Rever o conceito de sucesso no que diz respeito à prática da comunicação
No campo da comunicação, precisamos vencer toda tentação de triunfalismo. Também neste campo é preciso que se invista em uma Igreja do serviço, da defesa dos pobres, do combate à injustiça e à exploração, da construção de pontes que diminuam distâncias e de correntes que não aprisionem, mas aproximem, unam e comprometam as pessoas. Uma Igreja onde a estética caminhe de mãos dadas com a ética, na qual as belas liturgias, os toques de trombeta, os megatemplos, as grandes concentrações de fiéis não sejam apenas um espetáculo aos olhos e ao coração, mas expressão de um compromisso, de um elo vital que lance as pessoas à atenção e ao cuidado integral da vida do ser humano, pois cada pessoa, por sua dignidade, é “casa de toda humanidade” e habitação de Deus. Uma Igreja de escuta, de diálogo, de ouvidos atentos para distinguir a voz do Senhor que clama na vida, no mundo e nas pessoas.
Esta é apenas a partilha de algumas inquietações que surgiram em mim a partir da participação no VIII Mutirão Brasileiro de Comunicação, realizado na cidade de Natal, belíssima capital do Rio Grande do Norte, entre os dias 27 de outubro e 1º de novembro. Que as provocações deste VIII Muticom nos ajudem a caminharmos na direção de construir um Projeto Provincial de Comunicação cada vez mais conforme os sonhos de Cristo e de Francisco.