Entre os muitos episódios e fatos ocorridos na juventude de Francisco de Assis, o encontro com o leproso foi o que teve mais influência no processo de sua conversão. A coragem de se aproximar dos leprosos, de tocá-los, de cuidar deles foi, sem dúvida, o ponto culminante de um longo caminho de transformação na vida do jovem de Assis.
Ele mesmo nos relata no início do seu Testamento, escrito bem próximo do final de sua vida, como lhe era amargo ver leprosos: “Foi assim que o Senhor concedeu a mim, Frei Francisco, começar a fazer penitência: como eu estivesse em pecados, parecia-me sobremaneira amargo ver leprosos. E o próprio Senhor me conduziu entre eles, e fiz misericórdia com eles. E afastando-me deles, aquilo que me parecia amargo se me converteu em doçura da alma e do corpo” (Testamento 1-3).
Quem eram os leprosos no tempo de São Francisco? Eram os últimos dos últimos de uma sociedade extremamente hierarquizada. Excluídos do convívio familiar e social, perambulavam pelos caminhos a procura de alguma ajuda caritativa. Andavam com sinetes, anunciando a presença indesejável deles para que, preventivamente, as outras pessoas pudessem deles tomar distância. Muitos eram acolhidos em abrigos específicos chamados de leprosários que geralmente se localizavam afastados das cidades.
A Legenda dos Três Companheiros nos diz que o jovem Francisco “não somente não os queria ver, mas também nem sequer se aproximar de suas habitações; e, se sucedia que de vez em quando ele passasse perto de suas casas ou os visse, embora por piedade se movesse a dar-lhe esmola por pessoa intermediária, sempre virando o rosto, tapava o nariz com suas próprias mãos”(LTC 11,10).
Esta mesma obra nos informa que certa vez o jovem Francisco “ao cavalgar pelas cercanias de Assis, encontrou um leproso. E porque se acostumara a ter muito horror de leprosos, fazendo violência a si mesmo, desceu do cavalo e ofereceu-lhe uma moeda, beijando-lhe a mão. E, depois de ter recebido do mesmo leproso o ósculo da paz, montou novamente em seu cavalo e prosseguiu o seu caminho. (...) Depois de poucos dias, tomando muito dinheiro, dirigiu-se ao hospital dos leprosos e, reunindo todos juntos, deu esmola a cada um, beijando-lhes as mãos” (LTC 11,3-5.7).
Na primeira biografia do santo, Tomás de Celano relata apenas que Francisco “se transferiu para junto dos leprosos e permanecia com eles, servindo com o maior cuidado a todos por amor de Deus”(1Celano 17,1). Mais tarde, quando Celano redigiu uma segunda biografia do santo , ele registrou o episódio do encontro com o leproso: “Num certo dia encontrou um leproso, quando cavalgava perto de Assis. Embora este lhe causasse não pouco incômodo e horror... saltando do cavalo, correu para beijá-lo. Quando o leproso lhe estendeu a mão como que para receber alguma coisa, ele colocou o dinheiro com um beijo. E montando imediatamente no cavalo e voltando-se para cá e para lá, não viu mais aquele leproso, ainda que o campo fosse aberto em todas as direções” (2Celano 9,9-12).
São Boaventura, ao escrever sobre o encontro e o convívio de Francisco com os leprosos, não acrescenta praticamente nada aos fatos já relatados por Tomás de Celano, apenas enriquece o texto com pequenos detalhes: “O amante de toda humildade transferiu-se para junto dos leprosos e permanecia com eles... Lavava-lhes os pés, enfaixava as feridas, retirava a podridão das chagas e enxugava o sangue purulento... Beijava também por admirável devoção as chagas ulcerosas deles” (Legenda Maior 2,6).
Convertendo-se de corpo e alma, o jovem Francisco se tornou próximo dos últimos e solidário para com eles. Francisco percebeu que o Filho de Deus se fizera menor e desprezível por amor de nós e para nossa salvação. Eis o caminho que ele descobriu ao conhecer de forma profunda o Evangelho de Cristo! Por isso, seguindo as pegadas do Mestre, ele quis ser também o irmão dos mais pobres e excluídos: “Mas pela graça de Deus, tornou-se tão familiar e amigo dos leprosos que, como está declarado em seu Testamento, permanecia entre eles e os servia humildemente” (LTC 11,11).
Paz e Bem