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segunda-feira, agosto 04, 2014

O processo de Estetização na Vida Religiosa e Consagrada

A Vida Religiosa e Consagrada (VRC), desde sua origem, tem por característica marcante o profetismo. A forma de vida que vários grupos optaram acabou se tornando uma luz no meio da sociedade. Porém, parece que tal brilho tem se ofuscado nos últimos tempos. Não que tenha acabado, todavia, não tem como negar que o vigor tem diminuído e muitas Congregações têm sofrido com poucas vocações. Regiões, províncias se juntam para somar forças.

No panorama geral observamos que a VRC deixa de ser profética para se ajeitar de forma mais cômoda na sociedade atual. O que está levando a isso? O que tem movido a crise? São pontos que tentaremos discutir neste artigo a partir da ideia de ‘Estetização’.

É necessário reconhecer nossas sombras. Um dos pontos iniciais é que temos dificuldade de perceber nossas falhas. É difícil ver nossas próprias costas. Em outras palavras, por mais que nossas vivências neguem totalmente os discursos, temos enorme dificuldade de enxergar nossas limitações. Sejam pessoais ou comunitárias. E em se tratando de VRC hoje, temos pontos cegos por demais.

O que entendemos por ‘estetização’ da VRC? Primeiramente, vamos ao processo de Estetização. Perguntamos: como está o mundo hoje, a sociedade? Vemos que o importante hoje é o bem estar. E este, entendido como algo que provoca em nós os variados sentimentos. Precisamos sempre nos sentir bem, fugir dos sofrimentos, buscar o que é agradável. Ou seja, também na Vida Religiosa tem se buscado aquilo que é agradável. Tudo deve ter cobertura de açúcar. Gostoso, agradável, ‘curtição’ – em linguagem de Facebook. Temas como penitência, dedicação, disciplina, esforço, trabalho repetitivo, etc. deve ser extirpado.

E a Cruz? Essa já não tem muita aceitação. ‘É melhor o ressuscitado’. O Jesus que não deixa o pobre sofrer, o libertador, o transformador, etc. A linguagem pode até ser diferente das correntes neopentecostais da atualidade, porém, traz em seu fundo o mesmo processo de estetização que toda a sociedade sofre. Logo, não é só uma dificuldade da VRC, mas uma questão da sociedade atual.

O processo de estetização se refere a essa busca de prazer constante. Aqui não podemos enganar pelo discurso. Basta olhar a realidade cotidiana. O enredamento que a VRC adentrou na posse do poder, na busca de visualização, nas novas correntes psicologistas de formação, do sempre agradável e doce, do obscurecimento do sentido da Cruz, etc.

Um dos exemplos que podemos citar é a busca de realização pessoal na VRC, o famoso “preciso me realizar” ou o “essa oração tem que me fazer sentir bem”, etc.. É só olharmos a busca de novidades trazendo terapias alternativas para dentro da formação. Inovações nas orações comunitárias, sempre tentando produzir algo agradável. Se não for assim, não valeu, não vale. Nada de esforço, nada de tédio pode ser aceito. Em tudo isso o EGO passa a ser o centro. 

Hoje é bem comum a valorização da psicologia acima da espiritualidade em diversos processos formativos de comunidades religiosas. Caso um formando (a), religioso (a) apresente situações de conflito os responsáveis encaminham para a terapia numa espécie de terceirização formativa. 

No processo de Estetização está no centro o individualismo. As comunidades ou ‘fraternidades’ vivem como grupos de pessoas que não se relacionam. Moram juntas, porém, cada qual com seus interesses. A fraternidade vive bem se cada um faz o que quer. Importante e fraterno nesse caso é não interferir na vida particular do outro. Deixar cada um encontrar o melhor para si: se realize. Tal situação pode ser encontrada por detrás de palavras como: auto-responsabilização, protagonismo, responsabilização pessoal, etc.

Parece uma loucura? Sim. postura antievangélica e constatamos tal ‘modelo’ espalhado em Congregações femininas e masculinas: A fraternidade de indivíduos solitários que, na busca de realização pessoal, somente alcançam a solidão e o distanciamento de seus carismas: Drama de nossa atualidade. “Capítulos provinciais precisam ter muito mais coragem para colocar o dedo na chaga e enfrentar nossa vivência de valores antievangélicos, para que possamos ser verdadeiros profetas e profetisas do reino” (KEARNS, 1999, p. 31).

No ramo masculino e clerical parece que isso ainda é mais forte. A busca pelo agradável e cômodo é uma luta constante. Melhor igreja, melhor pastoral, melhor cidade, etc. E em nível pessoal: carro, dinheiro, pessoas interessantes, aplausos, ‘amigos’, etc. Não precisamos ir longe. Basta ir a uma casa de formação é constataremos isso bem rápido: o desejo do belo, das coisas boas e satisfatórias.

Certa vez fui a uma ordenação sacerdotal. Vi um jovem todo empolgado ajudando nos preparativos e próximo aos frades. Disparei a pergunta: “Vai ser frade da Congregação?” Ele me respondeu sem hesitar: “Tá doido, frei? Ser franciscano e fazer voto de pobreza? Não!”. Em seguida, eu disse a ele que na congregação que pretendia entrar também se fazia voto de pobreza. Para meu espanto respondeu: “Fazem, mas não vivem”. Talvez outro jovem que conhecesse os franciscanos hoje poderia dizer a mesma coisa. Contei a história somente para ilustrar a situação.

O modelo desse jovem acima, como muitos de nossas fileiras, é o belo, do religioso estetizado: Boas comidas, boas casas, bons carros, aplausos, bajulações, boas roupas (principalmente expressa na nova onda religiosa tradicionalista).

Precisamos entender o processo de estetização mais a fundo. Até mesmo as novas comunidades religiosas que demostram um forte rigor, muito se tem da imagem, do parecer ser, do belo aos olhos, etc. Mesmo a mais dura penitência vem carregada de estética: ser visto.

Para alguns que já fizeram anos de caminhada, também a busca de gozo e prazer não é diferente, porém, traz uma forma mais mascarada, pois quem está no leme pode dizer que sabe onde está indo por teimosia ou petrificação.

Falamos muito em conflitos de gerações. Nesse ponto, podemos nos deparar com a insistência da geração mais velha em guiar os rumos de uma comunidade, impossibilitando ou, na maioria das vezes inconscientemente, negando o acesso aos mais jovens. Muitas irmãs e irmãos sofrem por tais situações congregacionais. Toda crítica acentuada sobre os mais jovens deve ser refletida. 

No mundo atual, as mudanças são muito rápidas e cada novo jovem que entra tem vivências bem distintas daqueles que iniciaram a caminhada na década de 60, 70, 80, 90... Muitos ainda resistem por achar que o melhor modelo foi o da sua época, agravando mais ainda o individualismo interno.

A VRC está em uma profunda crise, como nossa sociedade está. E o que é mais agravante é que a maioria não sabe ou não quer ser curada da doença. Tratar desses temas em comunidade, necessitando de uma mudança pessoal é muito doloroso e em um mundo estetizante, ninguém quer fazer isso.

O que fazer?
Necessitamos de profetas com urgência e isso somente ocorrerá via vivência e não via discurso, pois esse, como um violão desafinado, não mexe com o coração. Ou seja, não é uma nova onda tradicionalista ou libertadora que nos tirará do lodo do individualismo, mas o próprio aprofundamento de cada carisma. Volta às fontes: O Evangelho.

Temos muito que caminhar e sabemos que diante de uma crise surgem novas portas, pois o Espírito sopra onde quer, fecundando o deserto e renovando a VRC. O que temos por certo é saber que a mudança começa a nível pessoal e depois comunitário.

O ponto de partida não está nas limitações dos outros da comunidade, mas em minhas próprias. Falta, às vezes, a honestidade de encarar, acolher e assumir nossa limitação pessoal para podermos viver em paz com as limitações dos outros. Sem essa atitude de abertura, a realização histórica do processo de salvação não pode acontecer. Sem honestidade e humildade vamos bloquear a graça de Deus na comunidade (KEARNS, 1999, p. 35).

Precisamos fazer esse processo. Retormar nossa vocação primeira. Resgatar o que nos cativou para a vivência evangélica, assumindo-a com vigor e coragem. A partir daí, as transformações começarão a ocorrer abrindo novos horizontes. A honestidade pessoal é indispensável nesse caminho.

Por isso, o caminho da libertação é um confronto pacífico, honesto, com nossas motivações mais profundas em todas as ramificações de nossa vida consagrada. Se tentarmos dirigir tudo para Deus, em culto e adoração, há paz no coração. Se tudo for dirigido para nossa própria auto-glória, há somente frustração e, mais cedo ou mais tarde, uma crise de identidade. Confronto honesto com nossas motivações é o caminho de conversão e libertação (KEARNS, 1999, p. 23).

Não há dúvidas que a honestidade consigo mesmo hoje, desde a formação inicial dos novos religiosos, deve ser um dos pontos fundamentais da caminhada. O mundo do individualismo nos atrai bastante e ter coragem de assumir essas tendências em si próprio é um dos primeiros passos de mudança.

Olhando para o processo de estetização que sofrem as práticas religiosas vemos que o ‘centramento’ no ‘ego’ (egoísmo) é sua característica principal. Como isso se manifesta? Na falta de diálogo, na não aceitação dos embates, na fuga das relações fraternas, na busca de subterfúgios, nas relações superficiais.

Antes de terminar gostaria de apontar mais um tópico do processo de estetização expresso no ativismo: Não podemos contrapor ‘ativismo’ e ‘não fazer nada’. Na realidade, o ativismo já é o ‘não fazer nada’. Na medida em que o ativismo serve como meio para se estar visível aos outros, como estética, acaba por contaminar a atividade pastoral e missionária. O que está em pauta não é o Evangelho, mas a pessoa que a faz.

Para entendermos melhor, imaginemos um religioso que trabalhe em uma comunidade; Levanta cedo, corre de um lado para o outro. Mil e uma coisas para fazer. Não tem tempo de meditar, estudar ou rezar. É preciso fazer. Na medida em que passa muito tempo nesta situação, acaba por se esvaziar. Se torna um dirigente de uma instituição, mas o espírito já se foi. Nesse caso, não se ‘faz nada’, pois sua vida se resumiu em atividades superficiais. Talvez até mesmo organizacionais, porém, sem vida.

Contudo, existe aquele (a) religioso (a) que reconhece que tem muita coisa para fazer. Porém, não perde sua busca pessoal. Não se exime da convivência fraterna de sua Congregação. Sabe conciliar uma coisa e outra. Na realidade, as duas coisas são partes de sua vida e não vê como oposição, mas como características próprias da VRC. 

O ativismo é uma doença fundada no individualismo, bem presente no processo de estetização da VRC. Quando o (a) religioso (a) não faz algo, sente-se inútil, tendo como característica dessa inutilidade arranhões em sua autoimagem. Pensa que será mal ‘visto’ pelos co-irmãos ou pelo povo. Está bastante preocupado com o que os outros irão achar dele (a). A busca de reconhecimento, elogios é bastante acentuada no processo de estetização. É como uma fome. Podendo valer tudo na busca dessa satisfação, até mesmo ser aquilo que não se é, passando a ser aquilo que os outros querem.

O que é preciso fazer?
O religioso para ser fiel à sua vocação e à sua profecia no mundo e na Igreja, precisa de momentos fortes de contemplação em sua vida. Precisa “ir à montanha”, em busca de Deus, na intimidade. Precisa ser contemplativo no meio do barulho do mundo. Precisa ter momentos fortes de “reserva” com Deus. Momentos fortes de encontro entre os dois “amantes”, Deus e seu consagrado. Somente essa dinâmica dará sentido para toda a sua saída para o horizontal. (KEARNS, 1999, p. 56)

Como dissemos acima, é necessário muita honestidade consigo mesmo como também de reflexões comunitárias para amenizar os efeitos de uma sociedade doente dentro das relações na VRC. O ‘Espírito’ do mundo está dentro de nossas comunidades e dentro de nós. A oração pessoal, a direção espiritual e a participação nos sacramentos podem ajudar a combater essa doença de difícil diagnóstico. O prognóstico pode ser favorável se iniciar rapidamente o tratamento, caso contrário, ainda teremos que sofrer várias consequências, até mesmo o findar de um modelo para o início de outro, pois o Espírito sopra onde quer. T

Por Frei Edson Matias, OFMCap.
reflexoesfranciscanas.com.br

Pia União de Santo Antônio

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