vida, doçura, esperança nossa, salve!
A vós bradamos os degredados filhos de Eva.
A vós suspiramos, gemendo e
chorando neste vale de lágrimas.
Eia, pois, advogada nossa, esses
vossos olhos misericordiosos a nós volvei,
e depois deste desterro mostrai-nos Jesus,
bendito fruto de vosso ventre.
Ó clemente, ó piedosa, ó doce Virgem Maria.
Rogai por nós, Santa Mãe de Deus.
Para que sejamos dignos das promessas de Cristo.
Amém.
A “Salve Rainha” é uma da orações mais populares entre os católicos. De tão repetida, é rezada às vezes, de forma maquinal, sem que se sinta da profunda emoção que a percorre do princípio ao fim. Por isso, para recuperar toda sua vibração original, pode ser útil analisar, uma por uma, as estremecidas palavras que a conformam.
Quem compôs esta prece tinha uma experiência muito viva das misérias da vida humana. Nesta prece “bradamos” como “degredados”, “suspiramos gemendo e chorando”, vemos o mundo como “um vale de lágrimas”, como um “desterro”… Entretanto, essa melancólica visão da vida acaba dissolvendo-se num sentimento de doce esperança que a ultrapassa e domina. Com efeito, se ao considerar a condição humana, o autor da prece só vê motivos de tristeza, ao fixar sua atenção naquela a quem a dirige, mostra-se animado por um horizonte de expectativas reconfortantes e consoladoras, pois ela, a Virgem Maria, é “mãe de misericórdia”… “vida, doçura, esperança”… “advogada” de “olhos misericordiosos”…
Captaremos melhor o estado de ânimo de que brotou esta comovente oração se lembrarmos quem a compôs e em que circunstâncias. Ela é atribuída ao monge Herman Contrat que a teria escrito por volta de 1.050, no mosteiro de Reichenan, na Alemanha. Eram tempos terríveis aqueles na Europa central: sucessivas calamidades naturais, destruindo as colheitas, epidemias, miséria, fome e morte por toda parte… e, como não se bastasse, a ameaça contínua dos povos bárbaros do Leste que invadiam os povoados, saqueando e matando, destruindo tudo, inclusive igrejas e conventos…
Frei Contrat tinha consciência da infortunada época em que vivia, mas tinha outras razões, além das agruras da vida de seus contemporâneos, para a aflição e o desconsolo. E não podia fechar os olhos para elas, pois as carregava no seu corpo: ele nascera raquítico e deforme; adulto, mal conseguia andar e escrevia com dificuldade, de mirrados que eram os dedos das suas mãos…
Foi no fundo de todas as misérias, as próprias e as alheias, que a alma de Frei Contrat elevou à Rainha dos céus essa maravilhosa prece, carregada de sofrimento e esperança, que é a “Salve Rainha”. Mas, se foi capaz de fazê-lo foi porque, no mais íntimo de seu ser cintilava, sobre a paisagem desolada do mundo, a figura esplendorosa e amável da Mãe de Jesus… Contam que, no dia do seu nascimento, ao constatarem o raquitismo e mal formação do bebê, seus pais caíram em prantos. Sua mãe Miltreed, mulher muito piedosa, ergueu-se então do leito e, lá mesmo, consagrou o menino à Mãe de Deus. Consagrado a Ela, foi educado no amor e na confiança em relação à Ela. E foi com essa bagagem na alma que anos mais tarde foi levado (de liteira, pois continuava sendo um deficiente físico) até o mosteiro de Reichenan, onde com o tempo chegou a ser mestre dos noviços, pois o que tinha de inapto seu corpo, tinha de perspicaz seu espírito.
Quando veio a ser conhecida pelos fiéis a “Salve Rainha” teve um sucesso enorme e logo era rezada e cantada por toda parte. Um século mais tarde, ela foi cantada também na catedral de Espira, por ocasião de um encontro de personalidades importantes, entre elas, a do imperador Conrado e a do famoso São Bernardo, conhecido como o “cantor da Virgem Maria”, pelos incendidos louvores que lhe dedicava nos seus sermões e escritos (ele foi um dos primeiros a chamá-la de “Nossa Senhora”). Dizem que foi nesse dia e lugar que, ao concluir o canto da “Salve Rainha” (cujas últimas palavras eram “mostrai-nos Jesus, o bendito fruto do vosso ventre”), no silêncio que se seguiu, ouviu-se a voz potente de São Bernardo que, num arrebato de entusiasmo pelo mãe do Senhor, gritou, sozinho, no meio da catedral: “ó clemente, ó piedosa, ó doce sempre Virgem Maria”… E a partir dessa data estas palavras foram incorporadas à “Salve Rainha” original.
Nos quase mil anos que se passaram desde que Herman Contrat compôs a “Salve Rainha” uma multidão incontável de fiéis tem se identificado como os sentimentos que ela expressa, vivendo desde sua aflição a doce esperança que inspira sempre a figura amável e amada da Mãe do nosso Salvador.
Fonte: O Dia do Senhor, 30º Dom – Tempo Comum – 26 Out 2003 – Ano 5 – no 49
(AnoB)
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